O legítimo e merecido reconhecimento do artista que observava meticulosamente o cotidiano para traduzi-lo de forma singular em seu trabalho
Insta: Gomide & Co – Museu do Cotidiano
De alguns anos pra cá, o trabalho de Amadeo Luciano Lorenzato (1900 – 1995) tem passado por um reexame que finalmente o coloca onde ele merece: no contexto mais amplo do modernismo brasileiro e da história da arte internacional. Seu progressivo e legítimo reconhecimento (ainda que tardio), ganha ainda mais força nesse momento. Em São Paulo, a Gomide &Co realiza a exposição “Lorenzato: Paisagens”, oito anos depois de fazer uma das primeiras individuais do artista na capital paulista. Ao mesmo tempo, a editora Ubu está prestes a lançar uma importante monografia sobre Lorenzato, organizada pelo curador Rodrigo Moura.
Indagado sobre seu processo criativo, Amadeo Luciano Lorenzato (1900-1995) comentou certa vez: “Eu tenho que ver a paisagem, as coisas. Se não vejo, não pinto”. O artista tinha seu modo particular de ver, algo que fez com que ele desenvolvesse um corpo singular de pinturas centrado em suas observações meticulosas dos assuntos cotidianos que encontrou principalmente em sua cidade natal, Belo Horizonte. Seu objetivo não era replicar seu ambiente, mas traduzi-lo através de uma visão simplificada de formas geométricas reduzidas, utilizando pigmentos artesanais ricos e pinceladas definidas. Era mais que isso.
O artista que nasceu e morreu praticamente junto com o século XX viu muito. O trânsito que experimentou entre o Brasil e a Itália permitiu que acompanhasse tanto a construção de uma capital – Belo Horizonte – quanto a reconstrução de cidades após um desastre – como a Arsiero do pós-guerra, onde trabalhou entre 1920 e 1924.
O conjunto da obra de Lorenzato, contudo, não se volta necessariamente para a ascensão das metrópoles industriais. O artista decidiu dedicar sua pintura a motivos singelos abordados com originalidade e vigor. Assim, como podemos notar nas cerca de 35 pinturas selecionadas para a exposição “Lorenzato: Paisagens”, que o seu vocabulário se constitui de poentes, lagos, montanhas, fachadas, árvores, rios, naturezas-mortas e congêneres.
Em meio às paisagens que pintou, há variações entre obras de caráter figurativo e narrativo e outras em que as figuras estão ali um tanto difusas, ressaltando o jogo entre as formas e as cores, em um flerte com a abstração. Além disso, há também inúmeras fachadas que nos transportam para os bairros periféricos de BH, feitos de casinhas que são a um só tempo coloridas e melancólicas. Mesmo os seus trabalhos mais descritíveis não são reproduções fiéis de um cenário: aqui, toda a visão é mediada pela imaginação.
Ao pintar fachadas e pessoas, Lorenzato se interessava por cenas banais e ambientes nada suntuosos. O que não é discreto nem corriqueiro, contudo, são os relevos e texturas que o artista dá à superfície da pintura. Ele se valia de ferramentas não convencionais à pintura, utilizando garfos e pentes sobre a tela ou qualquer outra superfície de que se servisse para pintar – já que, como ele mesmo dizia, pintava “em qualquer lugar: no papel, no cimento, no vidro, na telha, na tela, no papelão, compensado, chapa de Eucatex etc.
A exposição “Lorenzato: Paisagens” também proporciona ao público o contato com esses utensílios determinantes no processo criativo de Lorenzato, que detêm por si só forte expressividade, e hoje fazem parte da coleção do Museu do Cotidiano, em Belo Horizonte. Chamam a atenção os itens rústicos e não óbvios no âmbito da pintura artística: um pequeno pente de ferro que ele mesmo moldou; uma espécie de mini rastelo (ferramenta utilizada na jardinagem); objetos cortantes e pontiagudos como canivetes; pincéis grandes e imperfeitos – todos esses instrumentos remetem a uma apropriação por parte do artista da sua experiência enquanto pintor de paredes. Nesse momento, percebemos o rico cruzamento do seu ofício com a sua persona artística, e como esses dois âmbitos da sua vida se interpenetraram e enriqueceram a sua produção.
É interessante pensar que Lorenzato viu todo o século XX acontecer, mas escolheu olhar para o lado comum (tanto no sentido do banal, quanto do elemento compartilhado) da existência. Ao retornar para o Brasil em 1948, dedica-se cada vez mais à criação artística, constrói a sua casa no bairro Cabana, periferia de Belo Horizonte, em 1960, e é lá que produziu grande parte de sua obra conhecida hoje.
Lorenzato: Paisagens é, portanto, uma ocasião de celebrar a arte genuína de Amadeo Luciano Lorenzato.
Gomide & Co: Al. Ministro Rocha Azevedo 1052, São Paulo
Funcionamento normal: segunda a sexta das 10h às 19h; sábados das 10h às 15h
Início da mostra: 9 de fevereiro
Fim da mostra: 19 de março
FOTOS: DANIEL MANSUR