Multiverso

Fause Haten fala de suas reflexões atuais, dos sentimentos durante a pandemia, de como é destemido no sentido de realizar coisas e também de seus medos.

Insta: Fause Haten

Ele não tem medo de se jogar no que faz. Como estilista, Fause Haten virou celebridade nos anos 1990, aclamado pela crítica, com desfiles concorridos em São Paulo e também em Nova York e Milão. Como artista, ele é interdisciplinar. “Hoje eu digo que tenho três carreiras um pouco paralelas: lanço coleções sem calendário fixo e tenho uma loja fechada, onde atendo minhas clientes, sou figurinista de teatro, numa carreira que já tem 10 anos e também atuo nas artes. Faço escultura, faço performance, escrevo minhas peças, atuo, componho, canto. Sou meio destemido no sentido da realização das coisas”, ele comenta, no bate-papo que tivemos recentemente, eu, ele e Leopoldo Gurgel.

Talvez seja com esse mesmo destemor que ele tenha decidido, no auge da carreira como estilista, quando já pavimentava um trabalho internacional, a fincar o pé em São Paulo, cidade onde nasceu. Morar no exterior seria a lógica para fortalecer seu nome entre os melhores da moda. “Eu escolhi morar no Brasil, gosto do Brasil e não me arrependo. Minha opção continua sendo o Brasil. Adoro viajar, viajo muito, mas não tenho vontade de viver em outro lugar”, diz.

Aqui também a estrela de Fause Haten continuou a brilhar. Mas, em 2004, quando abriu a loja na rua Oscar Freire, uma das mais badaladas de São Paulo, começou a sentir que não estava mais criando, tomado pela rotina de empresário. “Eu tinha uma série de incumbências e solicitações e o tempo para criar ficou limitado. Fazia coleções lindas, mas me sentia infeliz”, lembra. Dois anos depois entrou para o curso de interpretação no Célia Helena Centro de Artes e Educação e por lá ficou por mais dois anos. “Essa possibilidade de poder ficar todas as noites das minhas semanas jogado no chão, rolando, experimentando, me ajudou muito internamente”. Ele conta que foi também no teatro, inclusive, que ganhou forças para se desapegar da marca com seu nome, do CNPJ e tudo mais, após a venda da empresa, em 2008. O desfecho foi negativo, já que a companhia que a comprou, decretou falência e, desde então, iniciou-se a luta que se arrasta na justiça, para receber o que lhe devem.

A história do teatro também não foi fácil no começo. Como já era famoso no mundo da moda, muita gente achava que o que ele queria era aparecer. Depois de cerca de três anos tentando um caminho tradicional na dramaturgia e se sentindo incompreendido, resolveu: “Quer saber? Vou escrever a minha própria peça.” Já no segundo trabalho, Lili Marlene, um Musical, escrito, dirigido e também protagonizado por ele, dividindo a cena com quatro instrumentistas, é que veio a primeira crítica, escrita por Dirceu Alves Jr. para a revista Veja, em 2017. “Levou tempo para que atingisse nos palcos pelo menos parte do reconhecimento obtido no mundo das passarelas.  Aos poucos, no entanto, vem provando seu valor nessa área”, escreveu o crítico na revista.

Como qualquer ser humano, claro que Fause Haten quer o reconhecimento em tudo o que faz. Mas há um algo mais naquilo que ele se propõe: “Não quero viver do passado. Eu não sou hoje o estilista que fui em Nova York. Já tive muitos altos e baixos na minha vida, sei muito bem o que significa a falsa sensação do poder que o sucesso te traz. Tenho meus limites, mas não tenho mais vontade de relações superficiais”, declara.

Hoje, o Fause Haten que articula essa fala é menos pose, mais realidade. “Talvez, eu já tenha sido um afetado. Mas se eu estou aqui, conversando com você, eu não sou um personagem, sou eu. Afetação é uma bobagem. Não te leva a lugar nenhum, nem me leva a lugar algum”, ele diz com tranquilidade. A perda recente dos pais ampliou essa reflexão e, a relação com a casa durante a pandemia foi mais um passo. “Me vi sozinho em casa, sem ter para onde correr”. Depois da sensação de “ir para o buraco”, palavras dele, veio a reação. “Chegou uma hora que comecei a fazer uma foto por dia e aquela rotina foi me tirando daquilo. Eu também tinha uma coleção que seria lançada em março e estava parada e, aí, uma cliente pediu para que eu enviasse as peças para a loja dela e eu entrei em ritmo de costura. Ficava o dia inteiro costurando e isso foi bom. Aos poucos, as coisas foram virando.”

E, aos poucos, continuam a virar. Hoje, as artes visuais falam mais alto do que para as artes cênicas para ele. “Durante esse período de reclusão, mergulhei no meu passado, organizei meus acervos, os conteúdos nas redes sociais e percebi que eu vinha fazendo uma série de coisas nas artes visuais que eu não considerava”, conta. Para entender mais a arte contemporânea, como se colocar e como se apresentar, começou a fazer uma orientação artística. O Fause artista visual começou a tomar forma no último ano, como ele diz.

Atualmente, Fause Haten está com texto novo, interdisciplinar, que navega entre dois esses universos, o das artes cênicas e o das artes visuais. O trabalho para concluí-lo foi intensivo. Primeiro, fez uma série de 20 apresentações para uma única pessoa para, dos improvisos, estabelecer a performance. Depois, apresentou ainda para um público restrito e talvez continue assim. Talvez vá para um teatro. “Está pronto. Posso apresentar na sua casa se você quiser”, ele diz.

E o que amedronta Fause Haten? Imediatamente ele responde: “Tenho medo de altura”. Mas depois, vai mais fundo: “Pode ser uma contradição, porque fico muito bem sozinho, mas tenho medo de ficar sozinho. Sou um artista que vai buscando esse individualismo: quero eu mesmo me fotografar, me dirigir, me filmar, porque agiliza o processo, mas ao mesmo tempo eu não quero ficar sozinho. Acho que meus medos são em relação ao futuro, de perder a autonomia, de ter uma doença… estou com esses medos ainda relacionados à perda recente dos meus pais”.

Para ele, há também não um medo, mas uma decepção com o ser humano. Fause diz que não é botando uma arma no bolso que as coisas vão melhorar. “Obviamente que a gente precisa de um governo melhor e isso não precisa nem falar”, comenta.  Em relação às artes, ele entende que o artista nasceu para correr riscos e não para viver em área de conforto. Mesmo assim, dispara: “Agora, tem que parar com essa ideia de que artista é chupinha. Todos os mercados, a indústria, têm os seus subsídios para fomentar o crescimento e é apenas isso que o governo deve fazer, fomentar a arte para que o mercado cresça. O governo tem que fazer a parte dele, mas acho que temos que esperar mais dois anos e tirar essas pessoas daí e continuar a viver.



Fotos – arquivo pessoal Fause Haten

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