Ateliê de Christus Nóbrega, em Brasília, transporta o artista entre o estranhamento e a surpresa, sem espaço para a rotina
Insta: Chistus Nóbrega – Galeria Murilo Castro
As superquadras de apartamentos cercadas de verde e os edifícios de gabarito baixo suspensos sobre pilotis do Plano Piloto, em Brasília, sempre encantaram Christus Nóbrega. Ali o artista paraibano viveu a maior parte dos 15 anos em que mora no DF. Agora, com casa e ateliê novos, instalados no bairro Jardim Botânico, ele tem se adaptado a novos ruídos, como o de um tomate nascendo ou o leve estalar de uma planta crescendo. Essa oportunidade de viver o delicado, onde sobram espaços de sutilezas é considerada por ele um privilégio, principalmente dentro do contexto brasileiro e da pandemia de uma forma geral. Aliás, foi exatamente no meio da pandemia que a mudança foi resolvida.
“Começamos a construir pensando em um espaço para os fins de semana. Acabamos resolvendo mudar de vez”, diz. O projeto, do companheiro e arquiteto Gero Tavares, investe em novas tecnologias construtivas e tanto o espaço da casa quanto o do ateliê serviram de laboratório para ambos, nesse sentido. A casa, um híbrido entre alvenaria e contêiner e o ateliê, todo em construção modular, montado como um lego, sem canteiro de obras ou geração extra de resíduos, comuns em uma construção convencional.
Como as duas construções não são conectadas, Christus encontrou uma situação balanceada: ao fechar uma porta e abrir outra, ele sente que corta a relação entre a vida pública e a privada. “Eu estou achando que são dois sóis, cada um com seu próprio sistema de ordem”, explica Christus, que já teve ateliê dentro de casa, com rotina de trabalho envolvida no cotidiano e, claro, um limite invisível com a vida privada. “ Foi nesse momento que entendi que precisava montar o ateliê fora de casa”, lembra, revelando também que a casa, a partir daí se transformou em um espaço estranho. “O que faço agora?”, questiona divertido. Christus diz que teve que redescobrir a casa, com suas novas funções não laborais. “Um lugar de descanso e também para receber os amigos”, explica.
O ateliê também sofre um processo de apropriação. Como constituir um espaço para que ele se torne lugar? A frase, um questionamento que foi mote para idealizar o conjunto expositivo de uma das séries resultantes dos dois meses que o artista passou em residência artística na China, cai como uma luva no momento atual. Lá, no trabalho Roupa Nova do Rei, a pergunta criou dois eixos: Ver-paisagem e Ser-cidade respectivamente, ambos estratégicos para conhecer o entorno até entranhar-se no novo cotidiano.
Hoje, a resposta de Christus Nóbrega à pergunta deslocada vem transbordando calma: “Acho que nunca paro de me apropriar do ateliê, ele é um lugar de maravilhamento. Se eu me acostumo com o espaço, começo a ter um problema. O estranhamento, a surpresa com esse espaço de criação é necessária, a rotina burocrática precisa ser evitada. Constantemente mudo o ateliê não só de forma física, recompondo o layout internamente, mas em relação aos projetos, que vem geralmente de dois em dois anos. E aí, são novos materiais, novas escalas e tudo isso geralmente necessita de um novo layout para suportar o que vem”, comenta.
Com direito ao um sol enorme que parece nascer ali, logo atrás do morro, a uma luz que varia a cada hora e parece determinar a movimentação de quando e qual animal da fauna local vai aparecer por essas bandas e ainda o espetáculo do telhado em policarbonato que a certa hora se tinge de dourado, essa “talvez” calma impressiona, pois mostra que nesse lugar, é impossível se entediar.
Christus Nóbrega
Artista e Professor de Artes Visuais da Universidade de Brasília. Doutor e Mestre em Arte Contemporânea, Christus Nóbrega vem participando de grandes exposições nacionais e internacionais. Tem obras em importantes acervos e coleções privadas e institucionais, a exemplo da Fondation Cartier – Paris, no Museu de Arte do Rio (MAR) – Rio de Janeiro, no Museu Nacional da República – Brasília e Coleção Particular de Domenico Dolce (D&G) – Itália e Sérgio Carvalho – Brasília. Premiado pelo Programa Cultural da Petrobras (2004 e 2011) e pelo Museu da Casa Brasileira (2004). Finalista do Prêmio Pipa (2017 e 2019), o mais importante prêmio da arte contemporânea brasileira. Em 2015 representou o Brasil na China e em 2019 na Austrália pelo programa de residência artística do Ministério das Relações Internacionais.
FOTOS: Laura Baggi