Feito com as mãos

Artesanato de Ilha do Ferro, em Alagoas, continua a influenciar novas gerações, mesmo quando os sonhos apontam outros rumos. É o caso de Geferson Pereira dos Santos, mais conhecido como Gef.

Insta: Geferson Pereira

Comecei pelo avesso, depois é que fui descobrindo mais sobre esse povoado, que se tornou mais conhecido de uma hora para outra. Ilha do Ferro, em Alagoas. Logo que vi um banquinho do “Dedé da Ilha do Ferro”, em um projeto de arquitetura de interiores, me encantei imediatamente. Fui pesquisar e descobri um vasto material na internet, tanto para quem gosta de uma profusão de imagens, como para quem gosta mais de ler, o meu caso.

Cada coisa que lia aumentava meu fascínio. Aí, quando estávamos comentando sobre a pauta do Tendências com minha filha, ela disse que tinha uma amiga que estava morando em Ilha do Ferro. Me passou o contato e lá fui eu atrás da Bruna Barros, ilustradora, mineira que morava em São Paulo e que, no pandemônio que virou 2020 resolveu – ela e o marido, músico –  se mudar para o sertão de Alagoas.

A proposta inicial seria a de um “intercâmbio”, como já havia feito anos antes, para fora do Brasil. Só que agora queria o dentro. Os iniciais seis meses se passaram e eles decidiram ficar mais seis. “Estamos fazendo a vida aqui, trabalhando online”, ela me fala, ainda sem previsão de como será o futuro.

Seria a Bruna quem escreveria esse artigo. E ela topou. Mas tinha uma mudança de casa (dela) no meio do caminho e os prazos de entrega do texto, esse tempo que ruge em nossos calcanhares enquanto não decidimos também fazer um intercâmbio para o interior do nosso interior. Aí, combinamos: ela me passaria o contato de um artesão para eu conversar e, no futuro, ela produziria outra pauta para o Tendências. Vamos em frente.

Queria alguém novo e que já tivesse um trabalho consistente. Ela me passou o whatsapp do Gef e ele me respondeu prontamente. Marcamos um horário para conversarmos com calma. O que aliás, começou bem divertido. Eu tinha entendido que ele era filho de Petrônio, artesão sobre o qual eu já tinha lido e visto o que faz. Antes pescador e agricultor, descobriu seu talento para o artesanato em madeira, ofício pelo qual é apaixonado e que foi seguido pelo filho Yang.

“Eu moro com o Petrônio, mas não sou filho dele e Yang também não é meu irmão, mas isso eu vou lhe contando mais para frente”, Gef me responde do lado de lá da linha, com um tom de voz simpático, dando mostras de que ria enquanto falava. Ele conta que cursava o ensino médio e trabalhava numa lanchonete em Pão de Açucar, o município onde fica o povoado de Ilha do Ferro. Ia e voltava todos os dias, levava e trazia, na garupa da moto, Nikiela da Paz Faria, sua namorada, que também estudava lá. Isso durou um ano inteiro. Ganhava 70 reais por semana, o que era a renda da família.

É aí que o Petrônio entra na história. Pai de Nikiela, ele perguntava ao menino se ele queria trabalhar com ele, fazer arte. “Você mora aqui e, quando ficar bom nesse ramo, você vai conseguir fazer suas coisas”, relembra das palavras de Petrônio. Começou lixando as bonecas que Yang fazia. Petrônio não só ensinava como incentivava. “Um dia, fomos pro sítio dele para pegar madeira e, o que eu não conseguia fazer, ele fazia pra mim. Voltava dizendo que tinha sido eu quem fiz”, diverte-se.

As primeiras obras que saíram de suas próprias mãos, sob o ensinamento de Petrônio, foram ex-votos. “Você sabe, né? Só a cabeça, sem o corpo. Fui me aperfeiçoando nessa forma de fazer bonecos, fui vendendo alguns e me alegrei bastante com isso. Hoje já crio minhas próprias peças e ajudo minha mãe, que mora com duas irmãs menores”, ele desembola.

Atualmente, Gef faz várias outras peças e, mesmo ao dizer que não se prende a uma coisa só, é dos ex-votos que mais gosta. “Tenho meu instagram e estou sempre pensando em inovar”. Pergunto de onde vem a madeira e ele responde que vem do mato, da beira do rio, mas adverte: “Madeira viva não presta, pegamos só as madeiras que já estão mortas.”

Pergunto como é o ofício dele. Ele explica que, “quando é imaginário, algo único, o tronco já vem transformado na peça. Você olha e dá o acabamento”. Diz que os ensinamentos do mestre Petrônio são seguidos à risca, mas o aprimoramento vem mesmo é com o tempo. “Tem gente que já comprou peça minha mal-acabada e que veio comprar de novo e elogia dizendo que o acabamento melhorou muito”, diz sem rodeios.

As peças de Gef são vendidas para lojistas do Rio, de São Paulo e de Minas e também para quem vai comprar direto com ele. Aos 22 anos, ele confessa que tinha muitos planos antes da pandemia, inclusive fez o Enem este ano. “A ideia é fazer pedagogia, mas algumas pessoas me aconselharam a seguir na arte. A pandemia atrapalhou muito esse rumo”, diz. Mesmo que ele encare o desafio de um curso superior, sorte a nossa se, mesmo assim, continuar seu ofício e sua arte.

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