Luz e sentimento

O multipremiado designer alemão Ingo Maurer e a poesia de suas criações nada óbvias, capazes de provocar ou contar histórias

Insta: INGO MAURER

Como são os alemães? É possível tentar defini-los em algumas palavras como trabalhadores, pontuais e sérios e você pode ou não concordar com essa representação, mas com certeza a primeira palavra que vem à mente não é “emocional”. Ingo Maurer é assim, pura emoção. Ele não tenta (apenas) cumprir uma função mundana como iluminar sua caverna, mas tenta provocar, entreter ou contar uma história através de suas criações.

Qualquer trabalho que leve sua assinatura tem o carimbo da mistura entre o pioneirismo e a inovação, aliando a essas qualidades uma força poética que traça o caminho que se inicia na luz, passa pela forma física daquilo que cria, até chegar ao nosso olhar, brindando-o com algo além da imaginação e da obviedade.

Um dos mais importantes designers contemporâneos, Maurer curiosamente nasceu em um lugar diminuto, Reichenau, ilha do Lago Constance, fronteira entre Alemanha, Áustria e Suíça, que tem 5 km de extensão e 1,6km de largura.

Em uma entrevista ao New York Times publicada em 2007, ele afirmou que sua fascinação com a luz remete aos passeios que fazia com o pai na região. “Observava como a água refletia a luz e, muito mais tarde, traduzi isso para o meu trabalho”, disse.

Filho de pescador, ele começou a carreira na tipografia, e aos 22 anos se matriculou num curso de design gráfico. Sua primeira criação luminosa data, porém, de mais de uma década depois, uma lâmpada dentro de uma lâmpada batizada de “Bulb” e exibida em uma feira em Milão, na Itália, em 1966.​

E o que o faz o tão genial? Ingo Maurer controlava esse código onde a luz é a mensagem e a lâmpada é o meio para transmiti-la. É chamado de “O poeta da luz”, talvez por que traduza no que faz, emoções humanas básicas. Pode algo simbolizar mais a alegria do que 34 borboletas e uma libélula cercando 3 lâmpadas como peras em um prato de porcelana? A “Festa delle Farfalle” é uma peça escultórica onde a luz é filtrada através das borboletas criando sombras dramáticas em direção ao chão e ao teto e assim, transforma a alegria em matéria.

Ele também navega pelos símbolos como ninguém. Na peça Kokoro, por exemplo, mistura o icônico de um coração feito à mão a partir de um espelho, com um manto de papel vermelho que o abraça (e esconde a fonte de luz). Kokoro projeta um coração de luz refletido no espelho em qualquer superfície. É como a lanterna do Batman, só que em um tom elegante e amoroso.

Já na luminária suspensa “Explosão em quadrinhos”, brinca com a memória de HQs, que ele consegue descontextualizar e transformar em objeto tridimensional. Com iluminação filtrada pelas diferentes camadas, é um ponto de atenção que consegue provocar variados sentimentos.

O certo é que, em todos os seus trabalhos, ou a emoção busca uma resposta visceral, ou um foco na memória ou ainda oferece uma estética reflexiva. O designer soube jogar com maestria em todos esses três níveis.

Ingo Maurer foi, primeiro, um designer de iluminação e, depois, um designer de produto. Essa diferença de percepção pode ser vista em peças como “Lacrime del pescatore”, que está mais perto de uma instalação que busca comover quem a observa do que uma lâmpada projetada a partir de pura função. Nela, cristais Swarovski brilham, suspensos em uma rede inspirada nas redes dos pescadores de Veneza: os cristais representam as gotas que caem da rede quando são retiradas da água.

No trabalho de Ingo Maurer, o alto padrão de qualidade em vários campos torna difícil escolher o que destacar. Para além de peças de design, o alemão também era afeito à tecnologia. Ele quase faliu sua fábrica nos anos 1980 ao desenvolver o sistema de iluminação de baixa voltagem com lâmpadas de halogêneo de “YaYaHo”, e apostou em luzes de LED em instalações, objetos e papéis de parede antes de muitos de seus pares.

As peças que tornaram o designer um dos mais renomados na área de iluminação incorporam de fios expostos e materiais brutos, como em Little Black Nothing, a pratos e xícaras quebrados dando efeito de uma explosão congelada no espaço, como em Porca Miseria!, e também penas de ganso, presentes em “Lucellino”. A lista é extensa. Alguns desses trabalhos estão em acervos como o do Museu de Arte Moderna de Nova York, o MoMA, ou o Museu Victoria & Albert, em Londres.

A lista de exposições e premiações é tão longa quanto. Em 1986 ele foi homenageado com a medalha Cavaleiro das Artes e das Letras concedida pelo Ministério da Cultura da França. Seguiram-se vários prêmios, como o que recebeu da Prefeitura de Munique, para a qual, em 2011, desenvolveu o projeto de iluminação da estação de metrô de Marienplatz, uma das mais belas do mundo. Ele também foi nomeado Designer Industrial Real. pela Royal Society of Arts de Londres.

As primeiras experiências com LED aconteceram nos anos 2000. Antes, já tinha desenvolvido luminárias que acendiam com som e toque. Sua mesa com tampo de cristal transparente com diversos pontos de luz em LED, lembra uma constelação e talvez seja a peça mais famosa do designer desenvolvida com essa tecnologia. Ao elevar a iluminação a um novo patamar, Ingo fez parcerias com criadores de outras áreas, como o estilista japonês Issey Miyake.

O designer morreu em 2019, aos 87 anos, em Munique. Três anos antes, participou da inauguração de uma loja-galeria – FAS Iluminação + Estúdio Brasil Ingo Maurer, com seu acervo completo nos Jardins, em São Paulo. Antes disso também, em 2013, realizou o projeto “Broken Egg” especialmente para o Inhotim, museu a céu aberto em Brumadinho, Minas Gerais, que reúne um dos mais relevantes acervos de arte contemporânea do mundo. A instalação ainda não foi inaugurada e tem inspiração na geometria natural de um ovo, onde uma fissura na ‘casca’ projeta um raio de luz.

Ingo Maurer deixou um legado que não encontra paralelo em criatividade e ousadia. Espírito livre, ele se permitiu arriscar. Como disse em uma entrevista concedida no Brasil: “Talvez você falhe, talvez esteja completamente errado, talvez você ache que não deveria ter feito. Mas, arriscar é importante”.

FOTOS DE ACERVO DA PÁGINA @INGOMAURER_OFFICIAL

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