Exposição em SP, da AM Galeria de Arte, encanta e surpreende ao mostrar o traço comum dos artistas ali reunidos
Insta: AM GALERIA MG – LAYMERT GARCIA DOS SANTOS – PEDRO OLIVOTTO
O que mais surpreende, e encanta, no conjunto de obras – parte da coleção de Pedro Olivotto – em exposição na AM Galeria SP? Para o curador Laymert Garcia dos Santos, que nos mostra que o traço comum a quase todos os artistas ali reunidos é que eles figuram seres existentes em mundos paralelos, ‘é, primeiro, a própria existência desses mundos paralelos coabitando num mesmo chão, o chão do Sertão’. Vai do norte de Minas Gerais até o Ceará, passando por regiões da Bahia, de Alagoas, de Sergipe, de Pernambuco, de Piauí, Paraíba e Rio Grande do Norte.
‘Tais mundos são indissociáveis dessas terras, de suas gentes, de suas vidas – é lá que eles existem… Mas a surpresa e o encantamento se intensificam quando nos damos conta da riqueza e da variedade da manifestação’, comenta Laymert.
Aislan Pankararu, Antônio José de Dedé, Desali, Inácia Terezinha, Francisco Graciano, Geraldo Cabueta, Jasson, Jerônimo Miranda, Ratinho, Véio, Zé Bezerra nos mostram, como diz o curador belamente, que é ‘como se houvesse efetivamente um solo comum, caracterizado pela prevalência imperiosa do imaginar mundos; mas como se cada artista inspirasse e expirasse um determinado estado, uma determinada atmosfera, uma determinada condição, uma determinada aparição, uma determinada condensação, em suma uma determinada sintonia das vibrações que percorrem essas terras e dão vida e grandiosidade a esses seres, a esses mundos, a esses mundos de seres. Daí a constatação: o que se expõe é o imaginário superlativo das gentes da terra – o Sertão é SER TÃO.
Aqui, um pouco de cada um deles: Aislan Pankararu é um artista plástico indígena contemporâneo, que nasceu em Petrolândia, Pernambuco, em 1990. Originário do povo Pankararu, Aislan formou-se em medicida em Brasília e, em 2019, retomou a prática de desenho e pintura como autodidata. Utilizando elementos pictóricos tradicionais da pintura corporal de seu povo, Aislan produz desenhos e pinturas sobre papel kraft e tela.
Antônio José é um artesão que se dedica tanto à pintura em telas quanto ao entalhe em madeira, explorando temáticas regionais como a religiosidade e a cultura popular. Filho do falecido mestre Antônio de Dedé, Antônio José segue os passos artísticos da família há 14 anos, mantendo viva a tradição do entalhe em madeira.
Francisco Graciano Cardoso, nascido em Juazeiro do Norte, Ceará, encontrou sua vocação artística na intimidade da natureza que o cercava. Filho do renomado escultor Manoel Graciano, desde a infância Francisco explorava a madeira, influenciado pela profunda conexão com a mata e seus habitantes. A inspiração de Francisco surge da natureza ao seu redor, uma fonte inesgotável de imaginação para suas figuras fantásticas e animais vívidos. Sua técnica única, marcada por uma pintura multicolorida esmaltada, reflete seu estilo autêntico e sua confiança na originalidade de seu trabalho.
Mestre Geraldo Cabueta, um renomado escultor, alcançou reconhecimento póstumo com sua primeira exposição de esculturas. Nasceu em 1945, na cidade de Guaranhuns, interior de Pernambuco. Sua arte, caracterizada por formas simples e pinturas elegantes, atraiu a atenção do público e o levou a conquistar um lugar de destaque na cena artística regional. A exposição póstuma de suas esculturas não apenas celebra o talento e a dedicação de Cabueta à sua arte, mas também reconhece sua contribuição única para o cenário cultural do Nordeste brasileiro.
Inácia Terezinha: no pano, cria formas que celebram a poesia do cotidiano. Sua inspiração vem das crianças e das catingas de ciranda, do vento que dá asas à pipa. Em seus bordados, com uma linguagem mais visceral que técnica, as linhas têm potencial também para o discurso político, envolvendo questões étnicas, sociais e de gênero, ainda que delicadamente nivelados.
Jasson Gonçalves da Silva, nascido em 1954 e residente na zona rural de Belo Monte, Alagoas, emergiu como um talentoso artesão brasileiro, cujas peças são agora desejadas por colecionadores e admiradores de todo o país. Criado desde a infância em meio às atividades rurais, cultivando campos e criando animais, Jasson desenvolveu uma intimidade com a madeira que se revelaria fundamental em sua jornada artística.
Jerônimo Miranda, nascido Luiz Jerônimo Camelo Cabral em 26 de janeiro de 1961 na cidade de Atalaia, Alagoas, é um renomado artista plástico, autodidata, pesquisador e colecionador. Desde os anos 70, reside em Maceió, onde mergulhou nas mais diversas técnicas artísticas, destacando-se na pintura e na tapeçaria. Sua arte cuidadosa e meticulosa reflete sua profunda conexão com a natureza, uma influência enraizada em sua formação em agropecuária e no convívio com o povo, que desenvolveu seu apurado gosto pela arte de raiz.
Ratinho, o Rafael Costa Pereira é artista natural de Caruaru. Aos 12 anos, ao deparar-se com uma máscara de ursa vermelha na feira, descobriu sua paixão pela arte em barro e começou a criar e vender suas próprias esculturas, dando os primeiros passos em sua jornada artística. O encontro com Mestre Vitalino marcou profundamente sua trajetória. Inspirado pelo barro vermelho e pelas histórias do mestre, Ratinho iniciou sua caminhada artística, explorando novas formas de expressão. Hoje, com mais de 200 peças autorais, Ratinho busca constantemente inovar em suas criações, utilizando elementos como ossos bovinos e dentes caprinos para trazer suas esculturas à vida.
Cícero Alves dos Santos, conhecido como Véio, nasceu em 1948 em Nossa Senhora da Glória, Sergipe. Desde a infância, sua predileção por ouvir histórias de pessoas mais velhas rendeu-lhe o apelido. Autodidata, Véio sempre se interessou pelo folclore nordestino e pela vida sertaneja, o que se reflete em suas esculturas. Explorando inicialmente materiais como cera de abelha e barro, Véio logo se dedicou à escultura em madeira, aproveitando materiais descartados de derrubadas e loteamentos em matas locais.
José Bezerra, o Zé Bezerra, nascido em 1952 na cidade de Buíque, interior de Pernambuco, tem uma trajetória de vida marcada pela diversidade de atividades que a pobreza lhe impôs. Desde lavrador até trabalhador braçal, suas experiências moldaram sua relação com a arte. A inspiração para sua escultura veio há alguns anos, em um sonho que o convocava a se tornar artista. A partir desse momento, começou a olhar para as madeiras ao seu redor de forma diferente, buscando nas formas naturais dos troncos e galhos as figuras que esculpiria. Sem seguir a tradicional escultura a partir de um bloco definido, Zé Bezerra procura identificar figuras que já se insinuam na própria madeira e trazê-las à tona com seus instrumentos rudimentares.
Desali é formado e pós-graduado em Artes Plásticas pela Escola Guignard (UEMG). Seu trabalho transita por múltiplas linguagens, como a fotografia, a ação performativa, o vídeo e a pintura, que tem sido sua principal expressão, na qual utiliza diversas técnicas, como pinturas em acrílica sobre madeira, aguadas sobre tela e a pintura em técnica mista onde a colagem de diversos materiais se mistura com a tinta acrílica em um suporte de tecido e madeira. Abordando temas como o cotidiano na periferia e a realidade dos jovens negros no Brasil, Desali propõe uma narrativa sobre o presente, pautada pela exclusão social e a segregação dos espaços urbanos nas grandes cidades.
FOTOS – SAMUEL ESTEVES