Raio que o parta, uma das faces da arquitetura modernista no Brasil que está se apagando, mantém sua importância como registro cultural
Insta: RAIO QUE O PARTA
Walter Benjamin fala a respeito da verdade contida nos fatos passados: “Articular historicamente o passado não significa conhecê-lo ‘como ele de fato foi’. Significa apropriar-se de uma reminiscência, tal como ela relampeja no momento de um perigo.”
Das diversas faces da arquitetura modernista no Brasil, uma curiosa é a que recebeu o jocoso nome de “Raio que o parta”, que pode ser considerado um movimento e também um estilo, de acordo com várias pesquisas sobre o tema.
Há um consenso, entretanto, quanto à ideia de que o “Raio que o parta” tenha surgido como apropriação estética da arquitetura moderna no Pará em residências de classe média, em uma manifestação que se situa principalmente as décadas de 1940 e 1950.
No estado, a preocupação em agregar uma linguagem artística à arquitetura foi refletida nesse período, na multiplicação de residências da classe média em Belém e no interior, com fachadas compostas por cacos de azulejos, um empréstimo compositivo de elementos da linguagem estética modernista. Em muitas dessas edificações, é comum encontrar os painéis em platibandas ou muros, formando desenhos de raios coloridos.
Sobre a composição por cacos, existem várias versões e a mais conhecida (embora não a única relatada) é a de que os azulejos sofriam avarias em virtude das precárias condições da rodovia Belém-Brasília por onde os veículos transportavam esse material, e por isso as lojas vendiam esses produtos a preços mais baixos.
Esse tipo de arquitetura feita pelos próprios moradores, mestres de obra e engenheiros pode ser encontrada em outras regiões brasileiras, mas a composição dos mosaicos em forma de raios parece ser característica do território paraense. E muitos desses exemplares estão na iminência de desaparecerem, junto com os moradores que os construíram.
As gerações atuais já não guardam tantas informações a respeito da edificação, resultado da falta de interesse em conhecer e preservar a história do “Raio que o parta” e do anseio de “modernizar” a casa. Há relatos de proprietários que mantêm os traços por falta de recursos para efetuar as reformas ou por vínculos de memória familiar.
Entretanto, as causas para o apagamento dessas características estão ligadas principalmente pelo fato de que o Raio não é reconhecido como um capítulo da história da arquitetura paraense e é, na maioria das vezes, tratado como algo ultrapassado.
A arquiteta e urbanista Raquel Rolnik, em seu livro “O Que é Cidade?”, fala sobre memória coletiva e sua importância como registro de vida e cultura. Existe um valor social em preservar a história, principalmente reconhecer e valorizar identidades culturais populares.
Ainda é possível andar pelas ruas de diversos municípios do Pará e se deparar com as formas e cores do movimento “Raio que o parta” e identificar seu expressivo valor cultural, mesmo com os recorrentes apagamentos de suas características. Por isso é tão importante o reconhecimento do “Raio que o parta” como expressão e fenômeno da identidade local, conferindo importância a essa tipologia enquanto produção humana de décadas passadas, com condições sócioculturais diferentes e simbolismos passados, fomentando sua preservação como patrimônio material e imaterial.
Entre os que trabalham nesse sentido está a Rede Raio-que-o-parta, formada pelas estudantes de arquitetura Elis Almeida, Elisa Malcher e Gabrielle Arnour. Elas deram início a um processo de mapeamento e catalogação das casas em estilo raio-que-o-parta, dando origem ao perfil no Instagram (@rederaioqueoparta), contando com um acervo digital desses exemplares, em conjunto com os registros realizados também pelos seguidores.
FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS PELO ACERVO @REDERAIOQUEOPARTA