Dureza do mármore se transforma em sutilezas poéticas nas esculturas de Dan Fialdini que utiliza a luz como elemento central
Insta: DAN FIALDINI – AM GALERIA DE ARTE
Em silêncio. Foi assim que eu e o Leopoldo ficamos quando vimos alguns trabalhos de Dan Fialdini, na AM Galeria de Arte, em Belo Horizonte. Esculpidas na dureza do mármore, as obras do artista revelam uma sutileza poética que nos transporta para algum lugar quando somos impactados por elas. Não é uma paisagem que já existe. São casas, fachadas, barcos e estranhos cenários que oferecem algo de teatral, o que é reforçado pelo uso da luz como elemento central da escultura. “Em algumas peças faço orifícios para que a luz entre e ilumine aquele espaço, pois a luz é divina, muito mais que pensamos”.
Fialdini não gosta de atribuir referências regionais a seu trabalho. “Eu não penso em nada”, diz ele, realçando a importância da liberdade criativa, inconsciente, em seu trabalho. Ele conta que já destruiu várias obras a marteladas, por julgar que havia forçado demais em alguma direção. Ao mesmo tempo, se diverte lembrando que alguns o relacionam com Israel, outros com a Itália, outros ainda com a Grécia.
Para ele isso não importa. Concorda, entretanto, que talvez o material que utiliza seja parcialmente responsável pelo clima mediterrâneo, berço da civilização ocidental, identificado no trabalho. Afinal, o mármore é a matéria-prima por excelência da escultura, e em sua obra tudo começa com a pedra. É o mármore que indica os caminhos a serem tomados em seus diferentes diálogos travados com a matéria.
Sua obra apresenta uma vasta pesquisa de materiais de diferentes procedências como o travertino, arenito e o limestone, junto ao mármore de Carrara. O trabalho de esculpir esses materiais é feito sem a ajuda de assistentes, num processo que chega a durar um mês para cada peça, em profunda imersão. Sem perder o lúdico de vista, os cenários trazem elementos da arquitetura e da paisagem: portas, janelas, escadas, luas, ciprestes e formas enigmáticas intercalam-se como personagens desse mundo onírico e, para muitos, como foi para nós também, silencioso.
Descendente de uma família de marmoreiros italianos, foi no final dos anos 1980 que Dan Fialdini esculpiu o mármore pela primeira vez. Até então acostumado a trabalhar com madeira, metal e barro, a descoberta da pedra foi um ponto de inflexão na carreira do escultor. Através do contato com um mestre canteiro da Catedral de São Paulo, Fialdini aprendeu métodos tradicionais, que desgastam o material com o uso do trio de ferramentas maceta, ponteiro e escalpelo. Mais tarde, foi à Itália fazer um curso de aperfeiçoamento, aprendendo novas e mais rápidas maneiras de trabalhar a pedra. Em Carrara, terra de sua família, conheceu técnicas mais modernas.
Em 30 anos que já dedica à arte, Fialdini traz também uma bagagem anterior imensa em suas experiências. Afinal, ele começou a trabalhar no Museu de Arte de São Paulo (Masp) em 1970, onde permaneceu por 21 anos, tornando-se um dos principais auxiliares do diretor da instituição, Pietro Maria Bardi. Lá, ele também foi curador de exposições e montagens.
Se essa rica vivência foi muito importante para sua formação como artista, serviu também para retardar a evolução da carreira de Fialdini. Como pondera a crítica de arte, curadora e colecionadora Cacilda Teixeira da Costa, a museologia fez com que ele não assumisse por vários anos “a aspiração secreta” de escultor, talvez intimidado pelo convívio com tantas obras-primas, “que constituíam ao mesmo tempo estímulo e bloqueio”.
Esse espaço de tempo em seu processo com a escultura, no entanto, acabou contribuindo para o amadurecimento de seu trabalho. “A minha primeira escultura não tinha nada de figurativo”. Nela, ele havia tentado fazer algo totalmente formal, com pequenas caixas empilhadas. Mas as pessoas diziam: “bonitinho esse prédio”, lembra. Em sua obra, ele diz continuar fazendo as mesmas coisas, porém com um amadurecimento que se revela em cada trabalho.
Dentre os vários tipos de mármore, Fialdini prefere o travertino romano, uma pedra porosa, bem menos nobre do que o de Carrara, mas que garante mais dramaticidade à escultura. Mesmo não havendo nada de catártico ou de compulsivo na obra de Fialdini – “esculpir é algo lento, que requer disciplina” -, ela é totalmente feita de sentimento. É possível perceber em cada escultura um esforço em traduzir em formas um certo pensamento e uma certa emoção perante o mundo.
FOTOS GENTILMENTE CEDIDAS PELA AM GALERIA DE ARTE